A 20 de novembro assinalou-se o Dia Mundial dos Direitos das Crianças. Trata-se de uma celebração verdadeiramente importante, e que se torna ainda mais urgente em tempos de pandemia.
São muitas as dificuldades que envolveram, e estão a envolver, numerosíssimas crianças, em todo o mundo, por causa da crise sanitária. Esta produziu uma crise económica sem precedentes, com o aumento exponencial das famílias pobres; conduziu ao encerramento prolongado das escolas e à ativação do ensino à distância, que não está ao alcance de todos, com o perfilar-se de uma verdadeira «catástrofe educativa» (palavras do papa Francisco) para os anos vindouros; tornou menos ágil o apoio às famílias em dificuldade da parte da rede de solidariedade, estatal e privada, o que aumentou os casos de maus-tratos e incúria educativa.
O direito negado
A par de tudo isto, desejo chamar a atenção para um outro tema delicado a propósito dos nossos pequenos, que respeita mais em geral à sociedade ocidental. Trata-se do direito de ser criança. De que se trata?
Parece-me poder afirmar, falando, obviamente, em termos muito gerais, que a nossa sociedade está a tornar-se numa sociedade cada vez menos atenta às necessidades educativas da infância. Uma espécie de sociedade sem educação, em resumo; uma sociedade na qual é cada vez mais frequente encontrar pais que não “querem” crescer e filhos que, consequentemente, não “podem” crescer, adultos cada vez mais perdidos nos seus ritos e mitos juvenis, e adolescentes cada vez mais em dificuldade com a vida. E tudo isto acontece como se os pais, e mais em geral os adultos, já não acreditassem no poder e na indispensabilidade do gesto educativo.
Num meu texto recente (“A nova criança imaginária”), tentei interrogar esta situação com mais proximidade, e cheguei à conclusão de que o ponto verdadeiramente problemático, para os pequenos da nossa sociedade ocidental, é precisamente o modo como são “vistos” e considerados por quem os pôs no mundo.
O pequeno adulto
Desde há tempo, com efeito, os pais “imaginam” que o pequenino que deram à luz goza de miraculosas profundidades ontológicas, gnoseológicas e espirituais tais, que o tornam, desde logo, desde a saída do ventre materno, como alguém já grande, alguém já pronto para a vida. Pensam e agem como se o seu pequeno fosse, na realidade, “um simples adulto de baixa estatura”, chamado a viver a infância como período destinado unicamente ao seu crescimento vertical. Não é preciso educá-lo, basta contemplá-lo.
E tratam-no precisamente como adulto, perguntando-lhes o que querem comer (mas o que sabe um pequeno de dois, três anos, de proteínas, carbo-hidratos e vitaminas?), o que quer ver na televisão ou no telemóvel (mas como pode compreender uma criança de dois anos a diferença entre “Canções e rimas” e um jogo de guerra?), onde quer ir para as compras da família; e, ainda, propondo-lhe suntuosos silogismos aristotélicos de cada vez que têm simplesmente de lhe pedir para fazer alguma coisa, ou submetendo-o a exames de introspeção dos profundos (porque é que fizeste assim? Porque é que te comportaste daquela maneira? Tens a certeza que não queres ir à escola?), e tantas outrsa coisas. Em suma, é negado às crianças o direito de ser crianças, e não “adultos de baixa estatura”!
É claro que assim é fácil fazer de pais. É claro que assim os pequenos literalmente “enlouquecem”: não podem ser crianças porque são solicitados a ser adultos, mas não podem ser adultos, simplesmente porque são crianças.
Recorda-te de quem és
É tempo de enfrentar esta situação de peito aberto. E a única maneira de o fazer é recordar-nos que o primeiro direito das crianças é o de ser crianças, o de ser apenas crianças.
Em bicos dos pés, por fim, permito-me acompanhar a enunciação deste “novo” direito das nossas crianças com a sugestão de algumas pequenas “recomendações” dirigidas aos pais.
1. Recorda-te que o grande és tu! Sempre. Em todo o caso. Sob qualquer condição meteorológica.
2. Recorda-te que as crianças são só crianças.
3. Recorda-te que tu podes “fazer-te” criança, enquanto os teus filhos não podem “fazer-se” adultos.
4. Recorda-te de brincar, pelo menos uma vez por dia, “como criança” com o te filho (basta baixares-te um pouco).
5. Recorda-te que dar o telemóvel ao teu filho, para que esteja tranquilo, significa, muitas vezes dizer-lhe que naquele momento não queres “pensá-lo”. Mas se não o pensamos quando estamos na sua companhia, como poderemos desenvolver o pensamento que nós o pensamos quando estamos distantes dele?
6. Recorda-te de falar de coisas “como crianças” com as crianças, e de falar de coisas “como adultos” com os adultos. Ao ver certos programas de televisão, parece que nos habituámos ao contrário!
7. Recorda-te que os avós são uma graça, mas não são os pais. Os avós ativam nos pequenos o plano do prazer. São os pais que ativam nos filhos o plano da realidade.
8. Recorda-te que “a maneira como vives aquilo que fazes” é para o teu filho muito mais importante do aquilo que fazes.
9. Recorda-te que “a maneira como vives aquilo que dizes” é para o teu filho muito mais importante do que aquilo que dizes.
10. Recorda-te que «os teus filhos não são filhos teus» (Gibran). Espera-os o mundo, porque eles são do mundo, e o mundo será seu.
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